Dentre as inúmeras PECs (Proposta de Emenda Constitucional) que circularam pelo Congresso, duas se apresentam como mais viáveis para votação: a PEC 45/2019 e a PEC 110/2019.  Vamos entender melhor como elas impactam o varejo hoje. 

Tenho estudado a questão tributária no Brasil desde o início dos anos 90, quando fui convidado a escrever dois capítulos do livro FINANÇAS NO VAREJO – GESTÃO OPERACIONAL, elaborado pelo PROVAR – Programa de Administração de Varejo da FIA – Fundação Instituto de Administração: Análise de Custo dos Produtos e Precificação e Análise de Margens, conceitos importantes para a Precificação Financeira.

Dentre as formas que podemos entender a precificação, a financeira se preocupa com a administração das margens com vistas à obtenção de resultados para as empresas. Vale lembrar que nesta época, a inflação beirava os 20% ao mês, o que exigia das empresas e dos consumidores muito cuidado na gestão dos resultados e da otimização de seus recursos.

Nesta época, tínhamos um elevado imposto inflacionário que ao mesmo tempo em que drenava as riquezas dos indivíduos, aumentava a arrecadação do governo, uma vez que a inflação era repassada aos preços.

Outra prática usual neste período era o rebatimento de preço por parte do varejo, notadamente as grandes redes supermercadistas que conseguiam vender a preços quase sem margem operacional (naquela época não era usual este comércio vender a prazo) e com isto realizar a margem no mercado financeiro através da aplicação das receitas até o pagamento a fornecedores.

Plano Real 

Com a chegada do Plano Real em 1994 esta realidade mudou com a transformação do indexador em moeda, criando uma nova realidade de preços. Isto afetou a arrecadação fiscal e ainda em 1994 foi instituído o IPMF (Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira), com um modelo de apuração que aproveitava a ideia trazida pelo imposto único. Este possuía a alíquota de 0,25% sobre toda a movimentação financeira que transitasse pelo sistema bancário.

Ainda em 1994, por questões constitucionais, ele teve que ser extinto, mas foi substituído pela CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira) com uma alíquota de 0,38% sobre a movimentação financeira. Por sua cumulatividade e impopularidade, em 2007, também foi extinto. Vale destacar que ocorreram algumas tentativas de trazê-lo de volta.

Simples Federal

Em 1997 surge o Simples Federal através da Lei 9317/97 que procurava simplificar e aliviar a carga tributária dos pequenos e médios negócios, através da definição da Microempresa e da Empresa de Pequeno porte, com muitas vantagens em relação ao modelo tradicional de tributação. Como se tratava de uma lei federal, os estados e municípios podiam aderir através de convênios ao Simples Federal e isto ocorreu com muitos estados e municípios. Este teve um impacto muito significativo no pequeno varejo por reduzir substancialmente a carga de tributos destes negócios.

Nessa época a Substituição Tributária (ST), que já existia desde 1984, começa a deixar apenas os medicamentos e se dissemina por todos os segmentos industriais e de distribuição. Num primeiro momento, seguindo o CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), mas com o tempo, cada estado passou a seguir regras próprias, definindo produtos e alíquotas. Isto acabou gerando a necessidade do DIFAL por conta das diferenças de valores a serem retidos em cada transação (DIFAL= diferencial de alíquota é a diferença entre a alíquota interna e a interestadual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS).

Em 14/12/06 é votada a Lei Complementar LC 123 criando o Simples Nacional. A principal vantagem deste regime é que todos os entes da federação poderiam fazer parte sem a necessidade de convênios e passou a ser gerido por um comitê gestor (CGSN). Mas ele iniciou de forma tímida, com muitas atividades sendo vedada a adesão, o que foi sendo mudado com o tempo. Através das LC 127, 128 (que instituiu o MEI), 147, 174, 187 e 194 (esta de 2022) foram sendo feitos aprimoramentos e ampliando o leque de atividades aptas a aderirem ao programa. Hoje, temos 11 milhões de empresas optantes, incluindo as MEI. O teto de receita para que a empresa possa ser optante é hoje de $ 4.800.000,00 por ano. Existe um PLP (Projeto de Lei Complementar) a ser votado que amplia este teto.

Em termos de contribuições federais, tivemos a Lei 10.367/02 que alterou a sistemática de cálculo do PIS de cumulativo para não cumulativo (passou a gerar crédito na compra), mas com a alíquota aumentando de 0,65% para 1,65%. Com isto, a carga deste tributo passou a ser variável em função da margem dos produtos.

COFINS

Em 2003 o mesmo aconteceu com a COFINS através da Lei 10.833/03 que a tornou não cumulativa, mas com a alíquota passando de 3% para 7,6%. Ocorreu o mesmo efeito observado com o PIS. Quanto maior a margem, maior a tributação. Só ficaram fora do incremento de alíquota as empresas com regime tributário de lucro presumido.

Um dos fatos que se pode entender ao analisar esta evolução é que caminhou em paralelo a necessidade de aumento de arrecadação (caracterizado por algumas leis e medidas) por parte do governo e de redução (e simplificação) da tributação para atender as pequenas empresas. Os governos que se sucederam foram atendendo as duas demandas, ora com simplificação (Simples), ora com aumento de tributos.

Recentemente, por questões eleitorais, alguns tributos foram reduzidos como o dos combustíveis, mas alguns estados aumentaram suas alíquotas de ICMS de outros bens para compensar esta redução.

E o que temos hoje?

Dentre as inúmeras PECs (Proposta de Emenda Constitucional) que circularam pelo Congresso, duas se apresentam como mais viáveis para votação: a PEC 45/2019 e a PEC 110/2019. Basicamente elas diferem pelo fato da PEC 45 criar apenas um tributo para substituir ICMS, PIS, COFINS, IPI e ISS criando o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a PEC 110 cria dois tributos, o próprio IBS, mas também o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que inclui o CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e o Salário Educação (é uma contribuição social destinada ao financiamento de programas, projetos e ações voltados para a educação básica pública).

Após tramitação na Câmara dos Deputados, a PEC 45 foi desmembrada mais ou menos como seria a proposta da PEC 110, mas deixou juntos os tributos federais (IPI, PIS e COFINS) no chamado CBS e ao IBS caberiam os tributos ICMS (estadual) e ISS (municipal).

As perguntas que ficam ao se analisar essas propostas referem-se, por exemplo, à partição desse(s) novo(s) tributo(s) entre os entes federativos. A quem caberá a fiscalização e a competência? Os prazos de implantação vão de 4 a 10 anos para se efetivarem as mudanças. Nesse meio tempo, as empresas recolherão os dois tributos? Em que proporção? A ST (Substituição Tributária) deixará de existir?

Alíquotas

Ainda não se falou da questão das alíquotas, algo que tem relação direta com a carga tributária, que nas palavras dos envolvidos não será aumentada. Restam ainda outras questões importantes: os novos tributos serão cobrados “por fora” (preço + imposto = preço de venda) ou “por dentro (preço – imposto = preço líquido)? Incidirá na cadeia sobre o valor adicionado (como já é atualmente) ou será cobrado apenas no consumo?

E vejam que ainda não se falou na reforma que irá afetar a renda, uma vez que o que está em discussão só diz respeito ao consumo e preços.

Muito ainda por acontecer. Sejamos otimistas e acreditemos que dias melhores virão.

E que os preços reflitam essas mudanças.

Texto escrito por Prof. doutor José Carlos de Souza Filho

José Carlos de Souza Filho é Professor Doutor (FEA USP) de Finanças Corporativas / Precificação Financeira / Jogos de Negócios

Fonte: Redação IBEVAR