O varejo é uma atividade fundamental para a economia do país, afinal, mais de 60% do PIB é destinado ao consumo das famílias e empresas. Porém, as incertezas relacionadas ao ano, deixa o mercado estagnado e impede a desejada compensação.

As empresas varejistas no Brasil vêm enfrentando uma série de desafios após a pandemia da COVID 19. Observamos a desaceleração no ritmo de atividade econômica, a redução do nível de confiança dos consumidores, a manutenção de taxas de juros em níveis elevados, a inflação, que corrói o poder de compra dos consumidores, o aumento da inadimplência, as incertezas relacionadas à política econômica do novo governo e, como se não fosse o suficiente, a crise de confiança gerada pelos mais recentes eventos ocorridos com as Lojas Americanas.

Como esses eventos se relacionam com as finanças das empresas varejistas? Todas elas têm sofrido os impactos da mesma forma? Como superar esses desafios?

Essas são algumas das perguntas que pretendemos abordar neste artigo.

Mercado de oscilações

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que o varejo é uma atividade fundamental para a economia do país. Sabemos que mais de 60% do Produto Interno Bruto é destinado ao consumo das famílias e empresas, logo as empresas varejistas participam ativamente desse processo de geração de renda e empregos.

No entanto, justamente por ser a última etapa das cadeias de suprimentos, o varejo fica mais sensível às expectativas dos consumidores, variações na renda, nos preços e fica mais sujeito à inadimplência dos consumidores.

Isso porque as empresas varejistas precisam se preparar para ter produtos disponíveis para o consumo, sobretudo por exemplo as empresas do segmento de vestuário, que trabalham com coleções semestrais.

Assim, quando ocorrem variações na demanda, as varejistas acabam por apresentar oscilações importantes nos estoques, que representam uma parte significativa do investimento.

Capital de Giro das empresas

Esse aspecto acaba por afetar o Capital de Giro das empresas, um tema que já foi discutido em outros artigos anteriores, elevando a Necessidade de Capital de Giro e o Ciclo financeiro das empresas. Em outras palavras, o investimento demora mais tempo para retornar ao caixa das varejistas.

Considerando ainda o contexto econômico, a elevação das taxas de juros torna o dinheiro mais caro, e com isso as pessoas tendem a preferir comprar a prazo a pagar à vista. Mais uma vez ocorre uma pressão sobre o Capital de Giro das varejistas, pois o prazo médio de recebimento dos clientes aumenta, estendendo mais ainda o Ciclo Financeiro.

Resumidamente, por enquanto, temos todos os fatores contribuindo para uma maior demanda de recursos financeiros para que as varejistas financiem sua atividade, ou seja, as empresas precisam de mais dinheiro para se manter nesse contexto desafiador.

Demanda crescente

E de onde elas obterão dinheiro? Dos bancos? Bem, aí surge mais uma dificuldade, pois com juros mais altos, o custo de captação de recursos se eleva, fazendo com que as empresas tenham que arcar com pesadas despesas financeiras.

Em um cenário de demanda crescente, com consumo em alta, poderia ocorrer uma compensação pelo maior volume de vendas.

Porém, as incertezas relacionadas ao ano, além da inflação que afeta diretamente o bolso dos consumidores, reduzindo a renda disponível para consumo, principalmente de bens que não são de consumo básico, deixa estagnado o nível de vendas e impede essa desejada compensação.

Considerando ainda a natureza da atividade varejista, observamos que as margens de lucro não são elevadas, como ocorre por exemplo, na indústria e em alguns setores de serviços.

As vendas pela internet e a própria informação em tempo real que os consumidores possuem com uma simples consulta de preços pelo celular, acabam por pressionar as margens de lucro dos varejistas. Isso porque a diferença entre preços e custos se torna cada vez menor, devido à possibilidade de pesquisas de preços e comparação de produtos simulares. Como consequência, há pouco espaço para resultados favoráveis.

Inadimplência em alta 

A inadimplência também tem se mostrado cada vez mais alta, e deve manter essa trajetória com as taxas de juros vigentes. Com isso, as perdas decorrentes dos atrasos nos recebimentos também devem contribuir para consumir mais uma parte do resultado das varejistas.

Assim sendo, temos no cenário atual a inflação pressionando os custos por parte dos fornecedores, maior necessidade de capital de giro, vendas estagnadas, inadimplência e despesas financeiras consumindo o pouco lucro remanescente da operação. Eis o impacto das variáveis presentes nas projeções para o ano sobre as finanças das empresas varejistas.

Diante desse horizonte nada favorável, observamos que alguns segmentos podem apresentar maior resiliência. Os varejistas de alimentos, por exemplo, tradicionalmente apresentam menor fragilidade diante de momentos como esse, justamente por possuir ciclo financeiro mais curto, menor risco de inadimplência e menor sensibilidade da demanda à economia.

Já os varejistas de bens de consumo duráveis e semiduráveis devem sofrer maior impacto, pois os consumidores deixam de adquirir esse tipo de produto em momentos de maior restrição orçamentária. Além disso, a inadimplência deve atingir de forma mais intensa esses estabelecimentos, sobretudo aqueles que vendem com financiamento pela loja, como crediário.

Busca por soluções 

Mas, qual será a solução para esses dilemas?

Do ponto de vista da gestão financeira, é importante observar que o mercado de capitais tem oferecido cada vez mais produtos para facilitar o financiamento das empresas.

Tradicionalmente a cultura empresarial tem se restringido aos produtos bancários, como o “risco sacado” ou “forfait”, que ficou evidenciado pelo caso das Lojas Americanas. Porém, além dos produtos oferecidos pelos bancos, há soluções que podem onerar menos os resultados das empresas e facilitar o financiamento da operação.

Uma dessas soluções é bem caseira, pois parte da própria negociação com os fornecedores. Obter prazos maiores de pagamento, por meio de acordos comerciais, pode aliviar o Capital de Giro das empresas.

Foco na operação

Outra solução é a utilização dos FIDCs (Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios), um produto anteriormente voltado apenas a grandes varejistas, mas que atualmente pode ser acessado também por empresas de médio porte.

Com esse tipo de produto, a varejista pode “vender” sua carteira de recebíveis, em uma operação parecida com a antecipação, mas com uma série de benefícios adicionais, como o custo inferior e a praticidade.

Por isso é importante ficar sempre atento aos novos produtos, além de manter o bom relacionamento com as instituições, para ter acesso a formas inovadoras de obter soluções financeiras.

É fundamental o foco na operação, mas as formas de financiamento podem aliviar o varejista em situações mais críticas, sem comprometer o futuro e a perenidade da empresa.

Texto escrito por Marcos Piellusch. 

Marcos Piellusch é Diretor Vogal do IBEVAR e professor da FIA. 

Fonte: Redação IBEVAR