Uma matéria do jornal Valor Econômico de 11 de julho de 2022 alerta sobre a perda de força do comércio eletrônico. A razão é a retomada nas vendas das lojas físicas e as dificuldades econômicas, ocasionadas pela queda da renda real e pela inflação, que tem reduzido o poder de compra dos consumidores.

De fato, esses eventos foram sentidos pelo varejo. Porém, vale uma análise dos diferentes segmentos, adotando um olhar cuidadoso sobre os indicadores financeiros e as estratégias de negócio.

A margem bruta e os desempenhos dos setores

Um dos indicadores mais importantes para o varejo é a Margem Bruta. Esse indicador reflete o lucro bruto para cada R$ 100 em vendas, sendo calculado pela razão entre o Resultado Bruto e as Vendas.

Por exemplo, se um estabelecimento vende R$ 10 milhões e tem resultado bruto de R$ 4 milhões, a margem bruta será de 40%, indicando que para cada R$ 100 em vendas, o lucro é de R$ 40.

Para diferentes segmentos do varejo, a margem bruta apresenta padrões bem característicos, conforme gráfico a seguir, que reflete os dados desde 2018 até o primeiro trimestre de 2022, as empresas varejistas de bens semiduráveis, como vestuário e calçados, apresentam a maior margem bruta, indicando que tem o melhor lucro bruto em relação ao faturamento.

Por outro lado, as empresas varejistas de bens não duráveis, como alimentos e farmácias, têm a menor margem.

Durante o período de pandemia, porém, foi o segmento de bens semiduráveis que teve o maior impacto, reduzindo as margens brutas para cerca de 43%.

A leitura pode ser que essas empresas apresentaram queda no faturamento, o que foi de fato observado. Porém, como esse indicador reflete a relação direta entre preço e custo, não é tão afetado pelo volume de vendas. Por isso, a interpretação correta é que essa queda da margem foi ocasionada pela entrada das empresas desse setor de forma mais intensa no comércio eletrônico, com cupons de desconto e preços competitivos.

Enquanto isso, o segmento de bens duráveis manteve uma margem de cerca de 27%, com pouca redução diante da média histórica. Isso porque as empresas desse segmento já atuavam com o comércio eletrônico, apresentando menor impacto sobre a margem bruta no período da pandemia.

As empresas de bens não duráveis, por outro lado, pouco sofreram em relação à margem bruta, mantendo o patamar durante os anos de 2020 e 2021. Considerando a menor sensibilidade à queda de demanda decorrente da pandemia, as empresas do setor mantiveram as margens, graças aos serviços de delivery.

O impacto das despesas com PDV e logística

Já a margem EBIT, que mede o lucro operacional, ou Lucro Antes do Resultado Financeiro e dos Tributos (EBIT = Earnings Before Interest and Taxes) em relação às vendas, teve maior oscilação para as varejistas.

O indicador mede o lucro operacional para cada R$ 100 em vendas. Assim, se a margem EBIT é de 10%, significa que a operação lucrou R$ 10 para cada R$ 100 em vendas. No varejo, essa margem é afetada pelo resultado bruto, mas também sofre o efeito das despesas comerciais e administrativas, incluindo as despesas efetuadas para entrega dos produtos.

Nota-se que historicamente o segmento de bens semiduráveis apresenta melhor margem EBIT. Porém, durante a pandemia, foi o que mais sofreu, atingindo uma mediana de -43%, ou seja, a cada R$ 100 em vendas, as empresas desse segmento apresentaram prejuízo operacional de R$ 100. Isso ocorreu devido à estrutura operacional dessas empresas, com despesas decorrentes de salários e aluguéis dos pontos de venda, que são fixas e não foram cobertas pelas vendas.

As empresas varejistas de bens duráveis tiveram impacto menor, atingindo a margem mínima trimestral de 0,5% em 2020, ficando ainda no lucro operacional. Por fim, as varejistas de bens de consumo não duráveis mantiveram as margens operacionais e tiveram a mínima trimestral de 3,3% no período.

Os números mostram o quanto o processo de transformação decorrente da pandemia e do comércio eletrônico tiveram efeito sobre as varejistas de bens duráveis e não duráveis.  O efeito inicial veio sobre o segmento de bens semiduráveis, mas em 2021 o efeito foi mais intenso sobre os bens duráveis, que chegaram a um prejuízo operacional de 1,7% das vendas.

Freio nas despesas!

O que está por trás desses números é o crescente esforço das empresas de bens duráveis para atender à demanda crescente no comércio eletrônico. As estruturas de logística, incluindo as “dark-stores” e estoques representam gastos fixos, que precisam ser cobertos pelas vendas, e foram planejados a partir de uma expectativa de crescimento do faturamento.

Como a demanda não vem crescendo conforme planejado, as empresas passaram a voltar a atenção à margem bruta e redução das despesas operacionais.

Esses números já podem ser sentidos no primeiro trimestre de 2022. Nesse período, as varejistas de bens duráveis elevaram a margem bruta para 30,5%, ficando dois pontos percentuais acima da média do período analisado.

Para as varejistas de bens semiduráveis, a margem bruta também subiu para 55,4%, quase seis pontos percentuais acima da média. Esses dois segmentos, muito afetados pela volatilidade dos trimestres anteriores, buscam agora uma recuperação diante de um cenário incerto, causado por inflação, eleições, elevação da taxa de juros e aumento da inadimplência, que devem dificultar as vendas a prazo.

Em relação à margem EBIT, o segmento de bens duráveis elevou o indicador mediano para 4,2% no último trimestre. O mesmo ocorreu com o segmento de semiduráveis, que busca se recuperar dos prejuízos operacionais e tem margem EBIT mediana de 3,5%. Algumas empresas, porém, ainda apresentam grande dificuldade para se recuperar, principalmente aquelas que tem como público-alvo as classes mais baixas, que vem sendo mais severamente afetadas pelos efeitos da inflação.

Além disso, as varejistas brasileiras ainda apresentam margem operacional inferior às gigantes do varejo norte americano, que tem margem EBIT média entre 4 e 5%, e ingressaram de forma mais intensiva no comércio eletrônico durante o período de pandemia sem tanto impacto nas margens. Para se ter uma ideia, quem teve maior impacto foi a rede The Kroger, que no último trimestre de 2021 atingiu a mínima margem desde 2018, 0,01%.

Por esses motivos, os varejistas devem buscar o controle intensivo das despesas comerciais e de logística nos próximos meses, com a finalidade de manter a porcentagem de despesas operacionais em relação às vendas em patamares iguais ou inferiores aos 20% a 22% observados nos últimos anos.

Traduzindo esses indicadores para as políticas comerciais, fica clara a justificativa para que os descontos e fretes grátis fiquem muito mais restritos do que nos últimos anos.

Os varejistas devem elevar os tickets mínimos para gratuidade ou desconto nos fretes, além de manter políticas de preços mais conservadoras e prazos de recebimento mais curtos, considerando os juros mais altos e maior inadimplência.

Além do controle das despesas, mais um desafio afeta os varejistas: a inflação. Os aumentos de preços dos produtos, que já vem ocorrendo nos últimos meses, deve obrigar os varejistas a fazer os repasses para os preços, dificultando o crescimento real das vendas.

As dificuldades são muitas, mas o varejo online deve continuar a crescer e amadurecer em relação ao desempenho financeiro.

Texto escrito por Marcos Piellusch (Consultor do IBEVAR e professor da FIA)

Fonte: Redação IBEVAR