A NCG representa o investimento necessário para que a operação funcione no curto prazo. Portanto, podemos dizer que uma NCG maior é uma demanda adicional para a empresa, requerendo mais recursos externos para o seu financiamento.
No texto anterior (A gestão do Capital de Giro no Varejo – Parte 1) foram dadas as definições de capital de giro, de liquidez de curto prazo e de necessidade de capital de giro (NCG). Vimos que a NCG representa parte importante do investimento para que as empresas de varejo consigam oferecer aos clientes a variedade de produtos e as condições de pagamento necessárias para manter a competitividade.
Vimos ainda que a gestão do capital de giro envolve riscos como a obsolescência e perecibilidade dos estoques, a inadimplência dos recebíveis de clientes e a necessidade de caixa para financiar o crescimento da empresa.
Neste texto procuraremos avançar nos aspectos relacionados à NCG para as empresas varejistas, compreendendo melhor seus direcionadores, formas de financiamento e estratégias para rentabilizar o investimento.
Medindo o capital de giro
Como mencionado no início, uma NCG maior é uma demanda adicional para a empresa, requerendo mais recursos externos para o seu financiamento.
Para efeito de comparação, é como se uma indústria, para funcionar, precisasse de mais máquinas e equipamentos, requerendo fontes de recursos para financiar esse capital empregado de forma permanente.
Para o capital de giro, essa comparação não fica sempre clara, pois se trata de itens que circulam ao longo de um período, como estoques e recebíveis. Porém, como vimos anteriormente, esses itens são absolutamente necessários para manter a atividade em funcionamento, assumindo também a mesma característica de investimento permanente.
No caso do varejo, essa situação ganha destaque, já que uma empresa do setor não requer um investimento tão elevado em máquinas e equipamentos para funcionar, e sim nos itens do capital de giro, como estoques e recebíveis a prazo.
Por isso, quanto maior a NCG, maior a demanda por investimentos para o funcionamento da operação no curto prazo. Ou seja, uma maior NCG indica que a empresa terá que captar mais recursos dos sócios ou de terceiros (bancos, por exemplo), para funcionar. Essa situação não é necessariamente ruim, mas indica uma situação não tão favorável, pois para crescer, a empresa terá que captar um volume maior de recursos adicionais.
Por outro lado, uma NCG baixa indica que a empresa não precisa de tantos recursos externos, portanto, para crescer, não precisará captar mais dinheiro de sócios ou terceiros.
É possível ainda que uma empresa apresente uma NCG negativa, que significa que os investimentos necessários para a operação funcionar são plenamente cobertos pelas fontes operacionais de financiamento, como fornecedores a pagar ou clientes. Mais adiante discutiremos como as empresas podem apresentar NCG negativa, mas por enquanto é importante interpretar essa situação como algo favorável para as empresas, pois isso significa que a empresa não precisa captar recursos externos para financiar o capital de giro, pois a própria operação se financia.
O quadro a seguir sumariza as possíveis situações relacionadas à NCG, considerando apenas os investimentos em capital de giro, ou seja, desconsiderando os investimentos necessários em instalações, mobiliário, sistemas, imóveis, veículos, etc.
NCG | Significado | Impacto |
Alta | A operação precisa de muito dinheiro para funcionar no curto prazo | É necessário captar muitos recursos externos para crescer |
Baixa | A operação precisa de pouco dinheiro para funcionar no curto prazo | É necessário captar poucos recursos externos para crescer |
Negativa | A operação não precisa de dinheiro para funcionar no curto prazo | Não é necessário captar recursos externos para crescer |
Para poder avaliar a situação da NCG de uma empresa, recomenda-se utilizar a razão entre a NCG e a Receita de Vendas, conforme equação a seguir. Com isso, tem-se a NCG para cada Real em vendas no ano ou no mês.
Suponha, por exemplo, que uma empresa apresente NCG de R$ 100.000 e Receita de vendas de R$ 1 milhão no ano. Nesse caso, a NCG% é de 10%, ou seja, para cada R$ 100 em vendas, a empresa tem uma NCG de R$10.
Essa métrica auxilia muito, por exemplo, na comparação com outras empresas, com empresas semelhantes ou mesmo para planejar o próprio crescimento. Suponha que essa empresa planeje aumentar as vendas para R$ 1,5 milhão no ano seguinte. Nesse caso, como já possui uma NCG de R$ 100 mil, precisará de uma captação adicional de R$ 50 mil para atingir os R$ 150 mil (10% de R$ 1,5 milhão).
O que aumenta ou reduz a NCG?
Em primeiro lugar, podemos dizer que a NCG é maior quanto maior for o volume de vendas. No varejo esse aspecto fica nítido, em função da relação entre o volume de vendas e a disponibilidade de produtos de diferentes marcas, modelos, tamanhos e variedades. Quanto maior o volume de vendas mensal, ou mesmo diário, maior terá que ser a disponibilidade de estoque para atender a essa demanda. Além disso, com maior volume de vendas, o valor de recebíveis a prazo será igualmente maior.
Porém, para um mesmo volume de vendas, há alguns aspectos que afetam a porcentagem de NCG em relação à receita (NCG% como vimos acima). O primeiro deles é o volume de estoques em relação às vendas, ou seja, o prazo médio de estocagem. Esse prazo médio depende muito do segmento do varejo e da quantidade de itens comercializados. Um varejista de moda que possui uma ampla variedade de modelos deve manter em seu estoque uma grade de tamanhos, cores e modelos que atenda aos clientes. Já um varejista de alimentos perecíveis tende a manter um estoque restrito à própria perecibilidade dos itens que comercializa.
Outro fator que afeta a NCG% é o prazo de recebimento. Quanto maior o prazo, maior será o volume de recebíveis a prazo, elevando também a NCG%.
O terceiro principal item é o prazo de pagamento aos fornecedores. Quanto maior o prazo obtido para pagamento, maior será o financiamento pela própria operação, reduzindo a NCG%.
Embora possa haver outros prazos envolvidos, como adiantamento de clientes, pagamento de impostos etc., esses são os elementos presentes na maior parte das empresas, geralmente representando a maior parte da NCG. Esses elementos compõem o chamado Ciclo Financeiro, ou Ciclo de Caixa, que representa o prazo médio que a empresa leva, desde o momento do pagamento ao fornecedor até o recebimento dos clientes, conforme figura a seguir. Note que o ciclo financeiro é maior quando os prazos de estocagem e recebimento são maiores, e menor quando o prazo de pagamento aos fornecedores é maior.
Quando o ciclo financeiro for mais alto, a NCG% será mais alta. Quando o ciclo financeiro for mais baixo, a NCG% será mais baixa. Portanto, a busca de uma gestão de capital de giro mais eficiente passa pela redução do ciclo financeiro, tornando menor o prazo entre o pagamento aos fornecedores e o recebimento dos clientes.
A relação entre políticas comerciais e NCG
A compreensão do ciclo financeiro torna mais claras as relações entre as políticas comerciais das empresas varejistas e a NCG. Para introduzir o assunto, podemos dizer que alguns elementos influenciam sobretudo os estoques e os recebíveis. Vejamos então alguns exemplos.
Quanto aos estoques, o maior volume e variedade de itens eleva o prazo médio de estocagem. Porém, não faz sentido para uma empresa varejista simplesmente reduzir os estoques, sob o risco de comprometer a disponibilidade de produtos e afetar negativamente a demanda. Esse risco aumentou no período pós pandemia, já que em diversos momentos os problemas de logística afetaram o suprimento das cadeias e levaram as empresas a manter estoques de segurança maiores.
Uma das soluções para o varejo é conhecer melhor os clientes e realizar as compras conforme o comportamento de compra dos clientes. Usando os recursos de tecnologia da informação aliados a soluções de CRM (Customer Relationship Management), é possível otimizar as compras, tornando-as mais assertivas diante da demanda dos clientes. Com isso, pode-se reduzir os estoques sem comprometer a disponibilidade de itens.
Quanto aos recebíveis a prazo, nota-se que uma política mais flexível, com prazos maiores de recebimento, pode ser um atrativo importante para elevar as vendas, mas eleva também a NCG%. Por isso, é importante avaliar se os prazos concedidos aos clientes são adequados ao perfil, capacidade de pagamento e valor das compras. Muitos varejistas aceitam parcelamento em diversas vezes no cartão de crédito, por exemplo, mesmo em compras de menor valor.
A prática pode parecer adequada quanto à atratividade para o cliente, mas certamente terá impactos sobre a saúde financeira da empresa, pois elevará a NCG%. Novamente uma análise detalhada do perfil de compra dos clientes e a adoção de regras de parcelamento proporcional ao ticket pode auxiliar na redução desses impactos.
Como financiar a NCG?
Além da questão de reduzir a NCG%, é importante refletir sobre as fontes desses recursos. Embora os valores investidos em capital de giro circulem com uma maior velocidade, trata-se de um investimento permanente, que se mantém com o nível de atividade e com o ciclo financeiro. Isso significa que a empresa só poderá abrir mão desse investimento se reduzir as vendas ou reduzir sensivelmente o ciclo financeiro.
Por esse motivo, a NCG deve ser financiada com o investimento dos sócios, que tem caráter permanente, ou com linhas de crédito com maior prazo. Isso permitirá à empresa remunerar esse capital com os lucros obtidos pela atividade, e não com a liquidação dos próprios itens componentes do capital de giro.
Falando de forma simples, se uma empresa precisa ter R$ 300 mil em estoques, não conseguirá pagar um empréstimo bancário de R$ 300 mil com a venda desses estoques, mas com o lucro obtido pela sua venda. Lembrando ainda que esse lucro deverá ser usado para pagar outras despesas, como pessoal, administração etc. Por isso, o prazo de
É muito comum na prática a captação de recursos, sobretudo pelos pequenos varejistas, pelas linhas de capital de giro de curto prazo oferecidas pelos bancos comerciais. Essa prática pode levar a grandes pressões para as empresas, pois a necessidade de pagar as parcelas no curto prazo compromete o fluxo de caixa e acarreta a necessidade de recorrer a outras linhas de crédito para cumprir os pagamentos do dia a dia.
A antecipação de recebíveis também é uma estratégia amplamente utilizada. Porém, as taxas de juros são relativamente altas, consumindo parte da margem de lucro obtida com a atividade.
A estratégia ideal é equilibrar o financiamento entre as fontes próprias, ou seja, o capital aplicado pelos sócios e os lucros retidos, com financiamentos bancários de maior prazo. Assim, a empresa tem maior fôlego para crescer de forma saudável.
Texto escrito por Marcos Piellusch.
Marcos Piellusch é Consultor do IBEVAR e professor da FIA.
Fonte: Redação IBEVAR