O capital de giro é um termo geralmente mal interpretado e, principalmente, mal gerenciado na prática. No varejo esse conceito assume grande importância, tendo em vista as características das empresas varejistas.

Nesse artigo, vamos falar sobre porque isso é tão importante para as empresas do segmento. Acompanhe a primeira parte desse tema.

Mas afinal, o que é Capital de Giro?

Em nosso linguajar do dia a dia, geralmente o termo capital de giro é aplicado ao caixa que está disponível na empresa para o cumprimento das obrigações de curto prazo.

De fato, olhando para esse aspecto, uma pesquisa feita pelo Sebrae aponta que a falta de caixa para cumprir os compromissos do dia a dia da empresa, como salários dos colaboradores, pagamento de fornecedores ou quitação de impostos, é uma das principais causas da mortalidade empresarial no Brasil.

Porém, o termo Capital de Giro utilizado em Finanças e Contabilidade se refere, de forma mais ampla, aos investimentos efetuados pela empresa no curto prazo, ou seja, além do caixa que está disponível para utilização, consideram-se todos os outros bens e direitos que podem ser recebidos no curto prazo, em até 12 meses.

Entre esses itens, os mais relevantes são os estoques de produtos, mercadorias e materiais, os valores a receber dos clientes, os adiantamentos feitos a fornecedores, os tributos a recuperar e outros.

Assim, o capital de giro não se restringe aos recursos líquidos, ou seja, ao caixa disponível para utilização, mas abrange também os recursos que estão efetivamente aplicados na atividade da empresa, e que são necessários para a manutenção das operações da empresa.

Além disso, o capital de giro não abrange apenas os recursos que estão aplicados, mas as obrigações já assumidas e que a empresa tem a cumprir em até 12 meses, como pagamentos a fornecedores, salários aos colaboradores, tributos, empréstimos bancários, aluguéis entre outros.

O Equilíbrio do Capital de Giro e a Liquidez

Por uma questão de equilíbrio das contas, espera-se que a empresa tenha um saldo de valores a receber suficiente para cumprir as obrigações que possui no curto prazo.

A título de exemplo, suponha que uma empresa varejista possua um total de caixa, contas a receber e estoques, chamados de Ativos Circulantes, de R$ 250.000.

Quanto aos compromissos de curto prazo, chamados de Passivos Circulantes, suponha que essa empresa possua um saldo total de R$ 200.000 em pagamentos a fornecedores, empréstimos e salários. Nesse caso, o saldo de Ativos Circulantes supera o saldo de Passivos Circulantes em R$ 50.000 (R$ 250.000 – R$ 200.000 = R$ 50.000). Isso significa que a empresa se encontra em uma situação relativamente confortável, já que os bens e direitos que espera receber superam as obrigações presentes.

A figura a seguir ilustra a situação da empresa com os saldos.

Ativo Circulante Passivo Circulante
R$ 250.000 R$ 200.000

Finanças utiliza um indicador para mensurar essa relação e avaliar a situação das empresas. É o Índice de Liquidez Corrente (ILC), medido pela razão entre o Ativo Circulante (AC) e o Passivo Circulante (PC). Assim, ILC = AC/PC, e quando esse índice é superior a 1, indica que a empresa tem uma situação de mais baixo risco, já que os Ativos Circulantes superam os Passivos Circulantes, da mesma forma que o exemplo exposto acima.

Por outro lado, quando as obrigações de curto prazo superam o saldo de bens e direitos a receber, evidentemente a empresa se encontra em uma situação de maior stress financeiro, já que pode não ter condições de cumprir as obrigações.

Nesse caso, o Índice de Liquidez Corrente reflete essa situação, com valores inferiores a 1.

O Capital de Giro como investimento permanente

O Índice de Liquidez Corrente é amplamente utilizado pelos bancos, financeiras e pelos próprios gestores para avaliar a situação das empresas, com a finalidade de mensurar o risco associado à gestão do Capital de Giro.

No entanto, esse indicador não é suficiente para avaliar a eficiência com que a empresa faz essa gestão, pois apesar dos Ativos Circulantes representarem valores a receber, esses itens, como estoques, contas a receber de clientes e outros constituem investimentos necessários para a manutenção da operação.

Suponha, por exemplo, que a empresa anteriormente descrita possua R$ 120.000 a receber de clientes referentes a vendas realizadas, além de R$ 100.000 em estoques.

Ao receber esses valores, a empresa não pode simplesmente usar os recursos livremente, pois ao menos parte desses recursos precisam ser empregados na reposição dos estoques, pagamento de fornecedores e outros.

Com isso, podemos verificar que parte dos Ativos Circulantes representa investimentos permanentes necessários para que a empresa continue a exercer suas atividades.

No caso de uma empresa varejista, o estoque é absolutamente necessário para garantir a disponibilidade de produtos para pronta entrega, com variedade suficiente para atender à demanda dos clientes.

Além disso, como parte das vendas é realizada a prazo, com cartão de crédito ou crediário, o fato de ter contas a receber de clientes é quase inevitável.

Esses Ativos Circulantes que são intimamente associados à operação, e que representam recursos permanentemente aplicados no dia a dia da empresa, são chamados de Ativos Circulantes Operacionais.

Sua manutenção é necessária para a continuidade das atividades da empresa.

Passivos Circulantes

Quanto aos Passivos Circulantes, situação semelhante ocorre, já que parte das obrigações está associada ao dia a dia da empresa, como fornecedores a pagar, salários a pagar e impostos a pagar.

Todos esses itens representam obrigações geradas pela própria operação, e enquanto não forem cumpridas, constituem uma origem dos recursos que estão sendo utilizados pela empresa para a realização das atividades.

Embora possa parecer um pouco confuso associar obrigações com a origem dos recursos, podemos ilustrar para que fique mais claro.

Suponha, por exemplo, que a empresa realize compras a prazo junto aos fornecedores, e que ao receber essas mercadorias já as disponibilize para venda.

Nesse caso, a empresa possuirá um ativo circulante, que é o estoque de mercadorias, e um passivo circulante, que é o saldo de fornecedores a pagar. O saldo em estoque é, ao menos parcialmente “financiado” pelo saldo de fornecedores a pagar.

Utilizando ainda o exemplo anteriormente descrito, suponha que do valor total de R$ 250.000 em Ativos Circulantes, R$ 220.000 sejam Ativos Circulantes Operacionais.

E dos Passivos Circulantes de R$ 200.000, suponha que R$ 150.000 sejam Passivos Circulantes Operacionais.

Isso significa que, para a manutenção do funcionamento da empresa, deverão ser mantidos R$ 220.000 investidos em estoques, valores a receber e outros.

E desse valor, R$ 150.000 são financiados pela própria operação. Com isso, a diferença, ou seja, R$ 70.000 (R$220.000 – R$ 150.000) são financiados de outra forma, por meio de empréstimos ou de investimentos dos sócios.

Ativo Circulante Operacional Passivo Circulante Operacional
R$ 220.000 R$ 150.000

Essa diferença entre o Ativo Circulante Operacional e o Passivo Circulante Operacional é chamada de Necessidade de Capital de Giro (NCG).

Quanto maior a NCG, maior a demanda da empresa por recursos externos, com a finalidade de financiar as atividades.

A NCG e o varejo

Para as empresas do varejo, a NCG representa parcela substancial do investimento na atividade. E para cada um dos setores do varejo é necessário um cuidado distinto.

Varejistas de alimentos e supermercados, por exemplo, mantém em seus estoques produtos perecíveis, que necessitam de intensivo controle para evitar perdas.

Algo semelhante ocorre com os varejistas de farmácia, embora o prazo de validade dos medicamentos seja maior.

Já os varejistas de moda têm em seus estoques as coleções de roupas, calçados e acessórios.

A necessidade de variedade de cores, tamanhos e modelos torna a gestão de estoques um ponto fundamental para o faturamento.

Por outro lado, as coleções têm duração semestral, precisando ser renovadas em cada ciclo de coleção, e por isso sua gestão requer planejamento, projeção de vendas e conhecimento das necessidades dos clientes.

Varejistas de bens de consumo duráveis também possuem nos estoques um ponto importante, já que seu valor é elevado, assim como o risco de obsolescência.

Além dos estoques, a gestão de recebíveis é fundamental para as varejistas de bens de consumo semiduráveis (como moda) e duráveis (eletrodomésticos, eletrônicos etc.), já que é muito frequente a compra a prazo no cartão de crédito ou parcelamento próprio por crediário ou cartão da loja.

Assim, além de possuir grande importância para o sucesso da estratégia, os estoques e as contas a receber representam parcela importante do investimento.

Por esse motivo, após compreender a sua relevância para as varejistas, restam algumas questões fundamentais na gestão do capital de giro.

– Como medir a NCG e como saber se a empresa está gerenciando bem esse indicador?

– Quais aspectos aumentam ou diminuem a NCG para as empresas varejistas?

– Qual a relação entre a política comercial das varejistas e a NCG?

– Como a NCG deve ser financiada pelas varejistas?

– Qual é a relação entre as margens de lucro e a NCG?

Essas questões serão endereçadas em nosso próximo artigo. Não perca!

Texto escrito por Marcos Piellusch (Consultor do IBEVAR e professor da FIA)

Fonte: Redação IBEVAR