A ressaca veio, mas é necessário manter o rumo. Afinal, as finanças das empresas do varejo são, cada vez mais, um desafio aos gestores e analistas. Tradicionalmente conhecidas por apresentar baixas margens de lucro, quando comparadas com indústrias e empresas de serviços, as varejistas passaram por grandes transformações desde o início da pandemia da COVID-19.

Nesse contexto, o objetivo desse artigo é analisar o desempenho financeiro e o valor de mercado das empresas varejistas durante o período de pandemia e nos primeiros meses após a suspensão das restrições.

Para isso, foi feito um levantamento com as empresas desse segmento listadas na B3. Atualmente há 24 empresas varejistas com ações negociadas na bolsa, enquanto no primeiro trimestre de 2018, início do estudo, havia apenas 15.

Antes da pandemia, a economia brasileira passava por um processo de recuperação, após dois anos de forte queda no PIB, em 2019 o indicador completou três anos de modesta alta.

Inicialmente, as restrições decorrentes da pandemia interromperam esse processo de crescimento, causando forte impacto ao varejo.

Porém, as restrições também serviram para acelerar diversos processos já em andamento, como o aprimoramento do comércio eletrônico e o desenvolvimento dos canais digitais.

Essas mudanças trouxeram expectativas positivas para o futuro do varejo, pois acreditava-se que pudessem impulsionar o crescimento das empresas atuantes no e-commerce, sobretudo aquelas com plataformas do tipo “Marketplace”, que integram varejistas em um único portal.

Impactos nos indicadores financeiros

Quanto aos impactos nos indicadores financeiros, esperava-se que esse desenvolvimento pudesse contribuir com o crescimento da receita dessas empresas, ainda que parte do ganho obtido com esse formato seja decorrente do chamado “take rate”, uma espécie de comissão que incide sobre o valor das vendas dos varejistas “terceiros” que utilizam a plataforma.

Além do crescimento da receita, esperava-se uma maior eficiência em relação às despesas operacionais, principalmente as despesas de vendas.

Isso porque os gastos com pessoal, comissões e outras despesas com os pontos de vendas, somados às despesas da administração central, passam de 20% na média das varejistas brasileiras listadas na B3 atualmente.

Com as vendas por canais digitais, esperava-se uma redução na participação relativa dessas despesas, já que o volume maior de receita pelos canais digitais superaria o crescimento da rede física.

Ainda quanto à eficiência, esperava-se que a gestão do capital de giro fosse aprimorada. Esse conceito, muitas vezes erroneamente interpretado, está diretamente relacionado com os estoques e recebíveis dos clientes.

Como parte do varejo, sobretudo os bens de consumo duráveis, dependem das vendas a prazo, e dos estoques de produtos nos pontos de venda, o investimento feito pelos varejistas demora a ser convertido em caixa, pois é necessário aguardar até o recebimento dos produtos.

Vendas por canais digitais

Com as vendas por canais digitais, esperava-se, por exemplo, que a gestão de estoques apresentasse ganhos, já que o estoque físico das lojas poderia, em muitos casos, ser utilizado para atender às entregas dos canais digitais.

Os ganhos, nesse caso, estariam no maior giro dos estoques e na possível redução nos prazos para geração do caixa.

Essas expectativas incentivaram os investidores, que apostaram na aquisição de ações de empresas varejistas, além de incentivar oito novas empresas varejistas a fazer o IPO (Oferta Pública Inicial) na bolsa.

No fim do segundo trimestre de 2020, as empresas varejistas já acumulavam valorização média de 63% em relação ao início de 2018, enquanto a média das empresas da B3 acumulava perdas de 5%, conforme gráfico a seguir.

Fonte: elaborado pelo autor com base em informações da B3

Do lado das empresas, os investimentos foram efetuados em sistemas, plataformas, desenvolvimento de canais e na aquisição de empresas de logística, tecnologia da informação, serviços financeiros, plataformas de comércio e concorrentes.

Esses investimentos consumiram boa parte dos esforços e do caixa das empresas nesse período, aproveitando os incentivos dados pelas baixas taxas de juros e disposição dos investidores a adquirir ações.

Porém, a concorrência também aumentou, pois as empresas diversificaram suas atividades, passando a atuar em diversos segmentos. Além disso, alguns fatores afetaram o crescimento das vendas.

Em primeiro lugar, a inflação diminuiu o poder de compra dos consumidores; além disso, a alta nas taxas de juros dificultou o crédito para o consumo; por fim as expectativas mais pessimistas para a recuperação da economia reduziram a disposição para adquirir bens de consumo.

Ritmo de recuperação

Apesar da redução nas expectativas, alguns indicadores mostram ainda uma evolução consistente nos últimos trimestres. A receita das empresas, que passou por uma queda em 2020 permanece no ritmo de recuperação.

O gráfico a seguir mostra a receita média por empresa. Esse recurso foi utilizado para permitir a comparação ao longo do tempo, já que houve a entrada de diversas empresas na bolsa no período.

Iniciando a análise em 2018, nota-se que a receita média por empresa por trimestre sofre pequena elevação nos últimos trimestres.

Porém, a receita acumulada nos últimos 12 meses evolui positivamente, recuperando-se consistentemente após o segundo trimestre de 2020.

Fonte: elaborado pelo autor com base em informações da B3

Além disso, o indicador de Margem Bruta, que se relaciona com o poder competitivo das empresas e com a criação de valor para os clientes, evoluiu na média no período de 2018 a 2019 e vem mantendo o patamar de 40% a 42% desde então.

Esse indicador é fundamental para a análise das empresas varejistas, pois a adoção de canais digitais tende a reduzir a margem bruta. Porém, esse indicador mostra resiliência nos últimos trimestres, já que as empresas têm mantido esse patamar.

Fonte: elaborado pelo autor com base em informações da B3

A margem EBITDA, importante indicador de desempenho das empresas varejistas e que reflete o potencial de geração de caixa da operação, tem oscilado na mediana entre 5% e 7%, embora tenha apresentado indicadores inferiores no 2º trimestre de 2020 e no 1º trimestre de 2021.

Por outro lado, alguns indicadores têm mostrado um enfraquecimento dos resultados. O lucro líquido das empresas sofreu queda no primeiro trimestre de 2022, reduzindo a soma dos últimos 12 meses, conforme gráfico a seguir.

Esse impacto foi causado sobretudo pelo aumento das despesas financeiras, decorrentes da alta da taxa básica de juros (Selic).

Fonte: elaborado pelo autor com base em informações da B3

Cenário econômico

A expectativa dos investidores também tem sido afetada pelo cenário econômico, pela alta da taxa de juros e pelas expectativas menos otimistas para o varejo.

O valor de mercado das empresas varejistas, que teve seu ápice no segundo trimestre de 2021, com o total de R$ 432 bilhões, caiu para menos da metade, R$ 187 bilhões, em junho de 2022.

O gráfico a seguir ilustra esses valores e mostra ainda a queda do valor médio por empresa, que já foi mais de R$ 22 bilhões, para menos de R$ 8 bilhões.

Fonte: elaborado pelo autor com base em informações da B3

Comparando esses dados com as outras empresas listadas na B3, atualmente mais de 330 empresas, podemos observar que o valor médio das empresas varejistas, que foi até 2021 superior ao das demais empresas listadas, sofreu queda a partir desse período.

A explicação está na sensibilidade do varejo aos eventos econômicos. Observando o cenário, vemos a expectativa de uma política monetária mais restritiva, tanto no Brasil quanto no exterior, a ameaça de uma inflação elevada, as tensões decorrentes da eleição presidencial e os impactos remanescentes da pandemia e da Guerra na Ucrânia. Todos esses fatores têm o potencial de afetar o varejo mais do que outros setores.

Por esse motivo, mesmo que o setor não apresente ainda o impacto negativo desses eventos, a expectativa é de que as varejistas possam ter dificuldades em passar por esse período de altas taxas de juros, inflação e incerteza quanto à política.

Desafios do mercado

O desafio está posto para as empresas do setor. O desempenho de cada uma delas depende de uma grande atenção às margens, observando a eficiência das vendas nos diferentes canais e controlando a evolução das despesas operacionais.

Além disso, as mudanças nos modelos e canais devem ser acompanhadas de uma gestão intensa do capital de giro, já que a necessidade maior de caixa pode levar a captação de recursos a juros mais altos e maiores despesas financeiras.

Nesse sentido, o controle do nível de endividamento é fundamental, pois as fontes onerosas podem comprometer o desempenho da empresa para os acionistas. A figura a seguir resume os principais destaques do desempenho financeiro a serem monitorados para as empresas varejistas.

Texto escrito por Prof. Marcos Piellusch (Consultor do IBEVAR e Professor de Finanças e Avaliação de Empresas da FIA – LABFIN.PROVAR)