No início do ano redigimos um texto com reflexões sobre os desafios do varejo para 2023 (leia o artigo na íntegra aqui).

Nesse texto mencionamos aspectos como a redução no nível de atividade econômica, redução na confiança dos consumidores, taxas de juros a níveis elevados, inadimplência e as incertezas relacionadas à política econômica.

Agora, com informações parciais de 2023 das varejistas de capital aberto, comentamos sobre como essas dificuldades afetaram os resultados e a saúde financeira das empresas.

Para esse estudo foram analisadas 28 empresas de capital aberto atuantes no varejo brasileiro, sendo 12 atuantes no setor de bens semiduráveis, como vestuário e calçados, 9 atuantes no setor de bens não duráveis, como alimentos e medicamentos, 5 no setor de bens duráveis, como eletrodomésticos, móveis e materiais de construção, e 2 empresas atuantes em serviços associados ao varejo. Essa base de empresas já exclui as Americanas e Pão de Açúcar, pelo fato de estarem passando por processos de transição, distorcendo a análise.

Foi considerado o período de 12 meses fechado em setembro de 2023, comparado ao mesmo período encerrado em setembro de 2022.

O Faturamento das Varejistas

 O primeiro aspecto é o faturamento, que reflete o nível de atividade. Considerando as dificuldades apresentadas, o cenário não favorecia uma expansão vigorosa do faturamento das empresas. No entanto, para as empresas analisadas, foi observado um aumento de 12,6%, variação superior ao PIB nominal, que cresceu 8,9% no período, e ao consumo das famílias, que cresceu 9,2%.

Assim, poderíamos concluir que as varejistas superaram o crescimento da economia, e pelo menos essas empresas de capital aberto tiveram um bom desempenho diante do cenário adverso. Contudo, observando os dados separados pelo subsegmento, observamos que as empresas atuantes em bens não duráveis tiveram crescimento mais expressivo, 17%, enquanto as demais não acompanharam o ritmo de crescimento da economia, conforme gráfico a seguir.

Essas evidências mostram que o setor de bens não duráveis, os chamados bens de consumo básico ou de primeira necessidade, foi aquele que de fato conduziu a expansão do varejo no período analisado. O efeito é resultante da manutenção de taxas de juros elevadas, pois esses bens de primeira necessidade são adquiridos à vista. Já os bens semiduráveis e duráveis requerem o parcelamento ou financiamento, o que se torna mais difícil em um cenário com uma taxa básica de juros elevada.

Esse resultado era esperado pelo Banco Central ao definir a política monetária restritiva, já que o controle da inflação se dá justamente pela imposição de restrições ao consumo. No entanto, observa-se que esse efeito não é homogêneo, mesmo no varejo, produzindo impactos distintos nas empresas e no poder de consumo da população.

Preços, custos e despesas

A evolução de preços e custos é fundamental para avaliar como se encontra a situação das empresas em relação à competitividade e criação de valor.

Em matéria já publicada anteriormente (leia o artigo na íntegra aqui) foi abordada a relação entre os preços, custos e a Margem Bruta, que é a relação entre o resultado bruto e a receita de vendas, ou faturamento.

Observando os dados das varejistas no período, notamos a evolução de 11,1% no resultado bruto, e que a margem bruta caiu de 40,9% em média em setembro de 2022, para 40,4% em média em setembro de 2023. Isso significa que diminuiu a diferença entre preços e custos, ou seja, que houve leve redução no nível de criação de valor por parte dos varejistas.

No entanto, novamente observando os dados classificados pelo segmento, identificamos uma evolução diferente em cada um dos grupos.

Para os bens de consumo semiduráveis e não duráveis, houve perda de margem, com o aumento do resultado bruto em intensidade inferior à receita. Observando por exemplo o setor de bens não duráveis, a receita evoluiu 17,2% enquanto o resultado bruto cresceu apenas 15,4%. Isso significa que para essas empresas, de forma geral, diminuiu a diferença entre preço e custo.

Por outro lado, para as empresas dos segmentos de bens duráveis e serviços, o resultado bruto cresceu em nível superior às vendas, mostrando que houve ampliação das margens.

Quanto às despesas operacionais, também houve uma evolução importante que reduziu a lucratividade das varejistas. O crescimento das despesas com vendas, administrativas e outras, associadas ao pagamento de salários de vendedores, aluguéis das lojas e outros gastos fundamentais no varejo, cresceram 13,3% no consolidado, superando também a evolução do faturamento no período.

Isso significa que tanto custos como despesas crescendo contribuíram para a redução da lucratividade operacional das varejistas.

O impacto dos juros no resultado

 Além de ter contribuído com o crescimento mais modesto do faturamento dos bens duráveis e semiduráveis, a manutenção de taxas elevadas de juros penalizou o varejo com o aumento das despesas financeiras e redução no resultado líquido.

No período analisado, as despesas financeiras cresceram 59,4% no consolidado, refletindo maior valor de juros pagos em empréstimos e financiamentos.

Com isso, o resultado líquido das empresas varejistas foi reduzido em nada menos que 92,3%, ou seja, que a cada R$ 100 de lucro que as empresas obtiveram nos 12 meses anteriores a setembro de 2022, nos últimos 12 meses o lucro foi de apenas R$ 7,70. Esse impacto foi decorrente de um aumento de custos, despesas operacionais e despesas financeiras superiores ao crescimento das vendas.

E como o varejo já é tradicionalmente um segmento com margens de lucro reduzidas, essas margens foram mais impactadas ainda no ano de 2023.

Esse quadro levou as empresas que já apresentavam prejuízos em 2022 a intensificarem o resultado negativo. Em setembro de 2022, das 28 empresas analisadas, 11 apresentaram prejuízo e 17 apresentaram lucro. No igual período de 2023, as mesmas 11 empresas tiveram resultado negativo.

Os resultados analisados excluíram eventos não recorrentes, chamados também de extraordinários, como os ganhos ou perdas na descontinuidade de negócios.

Endividamento e riscos

Como já era de se esperar, o endividamento das varejistas avançou no período analisado. Apurando o total das obrigações com terceiros, tanto operacionais quanto financeiras em relação ao total de ativos, obtemos o endividamento geral. Esse indicador tem sido uma preocupação para o segmento, já que o financiamento da atividade por capital de terceiros é uma prática necessária para viabilizar a atividade dos varejistas.

Um exemplo prático decorre da necessidade constante e intensa de manter estoques e recebíveis, classificados como parte do capital de giro. Para entender mais esse problema, sugiro a leitura do artigo publicado em março sobre o tema, acesse aqui. 

Por isso, os varejistas mantêm obrigações junto a fornecedores e bancos como forma de financiar a manutenção da atividade. Só que isso aumenta também os riscos do negócio, além de elevar as despesas com juros, no caso de captação junto aos bancos.

No período analisado, o endividamento das empresas varejistas passou de 57,3% em média para 58,5% em média. Isso significa que a cada R$ 100 investidos na operação, o financiamento junto ao capital de terceiros passou a ser de R$ 58,50, enquanto o capital dos sócios financia os outros R$ 41,50.

Com isso, mais um elemento de complexidade é adicionado ao contexto do varejo no período: o aumento dos riscos. Isso porque investidores e instituições já haviam disparado o sinal de alerta quanto aos riscos dos varejistas após os eventos ocorridos com as Americanas no início do ano.

Rentabilidade

Na perspectiva dos investidores, o indicador mais importante, no fim das contas, é a rentabilidade, ou seja, quanto a empresa proporcionou de retorno a cada R$ 1 investidos. Esse parâmetro é medido pelo ROIC (Return on Invested Capital ou Retorno Sobre o Capital Investido). Essa medida é obtida pela razão entre o resultado operacional descontado dos impostos e o investimento total feito pelos sócios e terceiros.

Os resultados mostram uma queda na rentabilidade média de 3,84% em 2022 para 3,07% em 2023. A queda em si é expressiva, mas o mais importante é notar que essa rentabilidade já estava em níveis muito reduzidos em 2022, mesmo antes da queda.

O ideal é que essa rentabilidade seja superior ao custo médio do capital, obtido pela média ponderada entre o custo dos financiamentos e empréstimos bancários e a rentabilidade requerida pelos acionistas. Fazendo uma conta simples, atualmente essa rentabilidade não deveria ser abaixo de 10% ou 11% ao ano.

Por isso, a média mostra que os varejistas apresentam resultados muito aquém do mínimo necessário para remunerar o capital.

Perspectivas e dúvidas

Todos esses dados parecem apontar um cenário nebuloso para o varejo. E realmente para os próximos meses o cenário não promete uma melhora substancial. No entanto, a queda gradual dos juros deve favorecer a recuperação da atividade do varejo, com um incentivo especial à aquisição de bens de consumo não duráveis e semiduráveis.

Algumas dúvidas ainda persistem, como a definição da reforma tributária e a situação fiscal do Brasil. Esses elementos podem trazer benefícios ou obstáculos ao avanço futuro do varejo.

Texto escrito por Marcos Piellusch. 

Marcos Piellusch é Diretor Vogal do IBEVAR e professor da FIA. 

Fonte: Redação IBEVAR