A aposentada Anna Maria Machado, de 82 anos, guarda, até hoje, um cartão de crediário da loja onde se tornou cliente vip. Lá, comprava todo tipo de coisa: roupas, tecidos, artigos de cama mesa e banho. Por várias vezes, ela se perdeu pelas prateleiras de uma das unidades da Pernambucanas que ficava ali no antigo Shopping Iguatemi, numa das áreas mais movimentadas da capital baiana: “Adorava ir. Meus meninos eram pequenos e eu comparava tudo lá, vivia dentro da Pernambucanas. Guardo o cartão de lembrança. Eles me diziam que, com aquele cartão, eu poderia comprar a loja inteira, se quisesse. É verdade que vai ter de novo em Salvador? Abre quando?”

Sim, Dona Anna. É verdade. Após 24 anos – com outra logomarca e nova administração – a Pernambucanas vai (re)começar o processo de expansão pelo Nordeste. Com a intenção de se tornar nacional, novamente, e alcançar todas as regiões do Brasil, a loja abre nesse sábado (26), no 2º piso do Shopping Bela Vista, em Salvador. É a primeira na região dentro desse ciclo, que recebe as operações da companhia, agora vinculada a empresa paulista, Arthur Lundgren Tecidos, que até então nunca havia administrado nenhuma unidade da marca do lado de cá do país.

“A Pernambucanas tinha empresas diferentes com autorização de uso da marca. O significado é de que estamos voltando para casa, a região do país, onde nascemos há 113 anos. Apesar de ser uma nova Pernambucanas focada em uma estratégia fígital (loja física + digital), o objetivo é dar a liberdade ao cliente para escolher o canal que quer se relacionar, crédito e facilidade de descontos”, ressalta o ceo Sergio Borriello.

A previsão é que em agosto seja inaugurada, também, uma unidade em Teixeira de Freitas. Em setembro, Eunápolis e Vitória da Conquista são mais municípios baianos que devem ganhar novas lojas Pernambucanas. No mês de outubro, o processo de expansão retorna a Salvador com operações no Shopping da Bahia. Em seguida, o Shopping Salvador e Salvador Norte serão os próximos a contar com a presença da marca, somando sete sedes, só este ano, na Bahia.

Cerca de 120 empregos diretos devem ser gerados, por estabelecimento, e cada uma deles concentra investimentos de R$ 4 milhões por operação, totalizando um montante de R$ 28 milhões até novembro. “Escolhemos o estado porque acreditamos muito na memória afetiva da marca. Além disso, tem a questão logística, a população é grande e gera uma renda atrativa. Queremos continuar crescendo aqui”, complementa o ceo.

São 1.022m² de loja, onde está distribuída uma diversidade de produtos que vão desde vestuário feminino, masculino e infantil, itens de lar como cama, mesa e banho, até eletroportáteis, telefonia e informática. A Pernambucanas ainda conta com com itens de lar e vestuário para bebês, linha pet, bijuterias e brinquedos. “Na década de 80 e 90, o que nós vendíamos em todas as praças eram os tecidos. Atualmente, a venda é de vestuário, que responde por 50%. Depois, a tradicional linha de cama, mesa e banho, com 25%, o restante, a parte de eletro”, pontua Borriello.

A negociação para vir para o Bela Vista durou cerca de seis meses como afirma o gerente de Marketing do shopping, Ticiano Cortizo. “A Pernambucanas foi onde comprei, com a minha mesada, meu primeiro par de tênis para jogar bola. Com o fechamento da Saraiva, nós tínhamos exatamente a área que eles precisavam. Esperamos que essa operação traga não só uma melhoria dos aluguéis para os empreendedores do shopping, mas também a contratação de novos postos de trabalho”.

Crediário Tentação
A aposentada Anita Borges, de 71 anos, é mais uma cliente fiel das Pernambucanas. Ela lembra como era a loja que ficava em uma das principais esquinas de Feira de Santana, na Marechal Deodoro: “A Pernambucanas daqui só vivia cheia de gente e atraía muitas pessoas de fora, de outras cidades do interior. Eu comprava sempre no carnê e pagava todo mês, principalmente, roupas, tecidos e peças de cama, mesa e banho. Competia com a Seda Moderna e Lojas Valério, mas tinha muito mais diversidade do que as outras”.

Não por um acaso, o nome do carnê era ‘Crediário Tentação’, numa época em que outras redes varejistas só aceitavam pagamentos à vista. Essa também é a principal lembrança da professora Celeste Dias, de 61 anos.

“Eu e minha mãe frequentávamos muito a Pernambucanas que ficava na Calçada e comprávamos tudo no crediário. Era algo extraordinário, já que antes, as lojas tinham balcões e, lá, tínhamos acesso aos produtos e podíamos parcelar tudo em até 12 vezes”.

A Pernambucanas aposta na sua inserção em mais estados brasileiros, após fechar 2020 com crescimento de 1.081% no faturamento do e-commerce, recorde na abertura de operações físicas que totalizaram 38 unidades e Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado positivo em R$ 358 milhões. As vendas no varejo cresceram 14% em plena pandemia. Os dados são do balanço da companhia divulgados no final de março. Na nova fase de avanço do plano de expansão no Norte Nordeste, a expectativa é de somar 10 sedes nas duas regiões.

“Acredito que duas coisas sempre foram determinantes para a marca. Primeiro, a empresa deu crédito muito antes do banco. Outro ponto está no atendimento. Todos os funcionários que contratávamos eram daquele lugar onde estávamos instalados. Então, nós já tínhamos um atendimento muito diferenciado no varejo”, pontua o ceo. Em sete minutos, o cliente vai receber o seu cartão, emitido pela Pefisa, fintech financeira do grupo, que contabilizou ano passado a 1,2 milhão de novos cartões.

Para o economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-BA), Gustavo Casseb Pessoti, esse é também um dos grandes legados da marca, que acabam favorecendo o sucesso do seu retorno ao varejo baiano.

“São empresas que colocaram sempre o consumidor no centro. Era o cartão próprio, um gerente muito próximo que solucionava problemas, além de ter uma preocupação em dar acesso ao crédito a esse consumidor de baixa renda”.

Marcas afetivas
Em um tempo em que não havia redes sociais, a empresária Luciene Torres, 57 anos, trabalhava no centro de Salvador e aproveitava a hora do almoço para conferir as novidades nas Pernambucanas, quando tinha 25 anos. “Era certo eu ir bater perna lá. Experimentava roupa, olhava tudo. Gastava demais. Também tinha a Mesbla, a Lobrás, mas a Pernambucanas era do meu agrado e me fez muita falta”, recorda.

Mas como a marca alcança status de ícone? Quem explica é o especialista em Marketing e professor do MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Kanter.

“A marca que é um ícone, se transforma em uma autoridade. Seu produto tem que ser espetacular. Não existem ícones feitos de sonho, de promessas. Eles são feitos de entrega, de experiência”.

Marcas afetivas trabalham para ‘existir’ na mente dos consumidores e criar uma relação duradoura com eles, como reforça a publicitária e Professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM/Porto Alegre), Paola Zanchi. “O consumidor de hoje não é o mesmo de 30 anos atrás, mas este sofrerá influência daquele público que um dia foi fiel à marca, clientes leais que estarão sempre prontos para defendê-la. A base dessa estratégia é a confiança”.

Renovação
O fato é que nenhuma empresa pode mais ficar parada no tempo, sobretudo, em um momento em que a pandemia obrigou o varejo a antecipar sua conversão para os meios digitais e integração entre o físico e e-commerce. Para a especialista no segmento e ceo da AGR Consultores, Ana Paula Tozzi, não existe mais varejo sem digitalização. “A dificuldade de se reinventar e transmitir a mesma experiência no meio digital que o consumidor tinha em suas lojas físicas é um desafio global. Se a marca deseja preservar algum vínculo afetivo específico, esse desafio é ainda maior”, analisa.

Perenidade, conta. Uma marca sempre será um ativo. É o que diz o economista e presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar), Claudio Felisoni de Angelo. “Ter a oportunidade de construir e trazer representatividade para uma marca é uma vantagem competitiva para qualquer empresa. Entretanto, se elas não se adaptarem às novas mudanças do mercado, serão certamente esquecidas pelo consumidor com o passar do tempo”, completa o especialista.

Um pouco de história
Foi no início do século 20, que o sueco radicado no Recife (PE), Herman Theodor Lundgren, adquiriu uma fábrica de tecidos no distrito de Paulista, em Olinda, onde começou a operar a Companhia de Tecidos Paulista. A primeira loja foi inaugurada em 1908 como o nome de Lojas Paulista e só em 1910 que passou a se chamar Casas Pernambucanas. De lá para cá, a marca foi inovando no segmento varejista quando criou o carnê de pagamento, o cartão próprio, implementou o código de barras e incluiu a oferta de serviços financeiros nas lojas.

COMO FOI A PASSAGEM DA MARCA NA BAHIA?

Quando saiu da Bahia, há 24 anos, a Pernambucanas decretou falência e fechou todas as lojas do Nordeste e Rio de Janeiro administradas pela Lundgren Irmãos Tecidos, que tinha autorização de uso do nome Pernambucanas. Por outro lado, a Arthur Lundgren Tecidos – que assumia a fatia do mercado de São Paulo, Sul e Centro-Oeste – permaneceu com suas operações desde essa época.

Apesar de a empresa não abrir informações sobre quantas sedes a marca já teve na Bahia, no passado, em pesquisa feita junto ao arquivo do CORREIO, nas matérias publicadas pelo jornal nos anos 90, em maio de 1997, a marca estava envolvida em problemas com funcionários, salários atrasados e pagamentos de indenizações após o fechamento das unidades instaladas no shoppings Piedade, Barra e no antigo Iguatemi.

Em novembro do mesmo ano, a Pernambucanas Nordeste acumulava, na Bahia, dívidas trabalhistas de R$ 500 mil, sem contar com o FGTS. Eram 240 funcionários que aguardavam o pagamento dos acordos. A marca passou ainda por inúmeras disputas judiciais entre seus herdeiros.

O cenário econômico não era dos melhores. Outras grandes redes nacionais também conhecidas pelo grande público como Mesbla, Arapuã e Lojas Brasileiras, por exemplo, decretaram falência em 1997.

“O real equiparado ao dólar e a reabertura econômica deram espaço para as importações e as empresas brasileiras viram seu faturamento despencar. Muitos desses produtos eram do segmento de tecidos, vestuários e calçados”, explica o economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-BA), Gustavo Casseb Pessoti.
A taxa básica de juros (Selic) chegou a patamares nunca vistos de 45% a 60%. “Se, de um lado, o país conseguiu acabar com a hiper inflação, de outro, ele trouxe como prejuízo, a falência de muitas empresas que necessitavam de uma restruturação produtiva para baixar preço e concorrer com produtos vindos de fora”, complementa Pessoti.

Fonte: Correio 24 horas