Gravemente atingida pela pandemia, a atividade varejista amarga resultados desoladores. Vendas no Dia das Mães sofreram uma retração de 59%, num retrocesso de 12 anos

As expectativas do varejo não deixam dúvidas de que a crise atual é muito mais intensa do que o previsto inicialmente. O Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (Ibevar), por exemplo, projetava um crescimento de 3,5% das vendas do varejo brasileiro antes da pandemia do novo coronavírus. No atual estágio da doença, estima uma queda de ao menos 10% a maior da história, além de, pelo menos, mais um ano de vendas baixas.

A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), divulgada na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), deu uma ideia do tamanho do problema. Segundo a pesquisa, as vendas do varejo ampliado, que incluem o setor de automóveis e de material de construção, desabaram 13,7% em março. E esse baque pode ser ainda maior em abril, já que o comércio passou todo o mês de abril fechado, enquanto que em março fechou por apenas 15 dias. “O resultado não capta ainda todo o efeito da crise sanitária. Então, lamentavelmente, vamos ter quedas muito mais significativas nas vendas do varejo”, prevê o presidente do Ibevar, Claudio Felisoni.

“O comércio foi diretamente impactado pelo protocolo de combate à covid. Nenhuma outra atividade econômica teve determinado o fechamento dos seus estabelecimentos. Mas, no comércio, segmentos inteiros foram fechados. E mesmo o consumo do varejo que está aberto depende muito da circulação e da confiança do consumidor”, explica o economista da CNC Fábio Bentes.

Até no Dia das Mães, a segunda principal data do comércio no ano, o setor viu um resultado desolador: uma queda de 59% das vendas em relação ao ano passado a maior da história. “Nem na recessão de 2015 houve algo perto disso. O que o varejo vai faturar vai ser equivalente ao faturamento do Dia das Mães de 2008. É um retrocesso de 12 anos”, compara Bentes.

A CNC calcula, ainda, que as perdas sofridas pelo comércio desde o início do isolamento social achegam a R$ 124,7 bilhões. O número corresponde à atividade do setor entre 15 de março e 2 de maio e representa um encolhimento de 56% do faturamento do varejo em relação ao mesmo período do ano passado. “Em um mês normal, o comércio costuma faturarR$ 200 bilhões. É como se o comércio todo estivesse fechado por pouco mais de 15 dias, inclusive o essencial”, descreve Bentes.

E a maior parte desse prejuízo (quase R$ 111,6 bilhões) está em setores não essenciais, que estão tendo o consumo cada vez mais reduzido. Nesse período de isolamento social e incertezas econômicas, muitos brasileiros estão comprando apenas o fundamental, mesmo quando saem de casa para ir ao mercado ou resolvem fazer uma compra on-line.

Só o segmento de tecidos, vestuário e calçados, por exemplo, já sofreu uma contração de 42,2% nas vendas, segundo o IBGE, que também identificou quedas expressivas em todos os outros segmentos não essenciais avaliados na PMC de março: a redução foi de 36,1% nas vendas de livros, jornais, revistas e papelaria; 27,4% em outros artigos de uso pessoal e doméstico; 25,9% em móveis e eletrodomésticos; 14,2% em equipamentos e material para escritório, informática e comunicação; e 12,5% em combustíveis e lubrificantes.

Estoque acumula com rapidez

Com a crise da pandemia, o número de empresas do setor varejista que diz estar com estoques excessivos chegou a 20% em abril bem perto do recorde da série histórica de 21,3%, registrado em outubro de 2015, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). E a velocidade dessa constatação assusta. No segmento de bens duráveis como os automóveis, a proporção de empresas com estoques excessivos saltou de 16,5% em março para 30% em abril. E, no segmento de bens semiduráveis como roupas, foi de 13,8% para 23,3%. A média do varejo só não bateu o pico de 2015 em razão dos estoques dos bens não duráveis, que caíram de 17,3% para 16%, diante da maior procura por alimentos e bebidas durante a quarentena.

“É difícil deixar de consumir os itens essenciais, mesmo com restrições no orçamento. Então, isso (estoque excessivo) está muito concentrado nos bens duráveis e semi-duráveis, como veículos, móveis, eletrônicos, vestuários e calçados”, afirma o economista do FGV/Ibre, Rodolpho Tobler, dizendo que essa mudança econômica abrupta também abalou a confiança do empresário. “O empresário está cada vez mais cauteloso. Houve uma piora generalizada, exceto no setor de hipermercados e bens essenciais”, diz.

E é por isso que a CNC também estima que essa situação pode eliminar até 2,4 milhões de empregos no comércio, o equivalente a cerca de 30% dos postos de trabalho do setor. Bentes explica que as medidas anunciadas pelo governo durante a pandemia da covid-19, como o diferimento de impostos e a possibilidade de reduzir temporariamente o salário dos trabalhadores, foram bem recebidas pelo setor, mas não serão suficientes para adequar as despesas dos lojistas a esse fluxo quase nulo de vendas.

Fonte: Correio Braziliense