Compras pela internet, bancos digitais e até o uso da bicicleta para percorrer pequenas distâncias são costumes que devem permanecer no pós-pandemia

RIO – Bicicleta ou caminhada no lugar de ônibus e metrô, sempre que possível. Reuniões de trabalho e lazer com cada participante em um ambiente distinto, todos conectados pela internet. Entrar em um banco mascarado, sem atrair olhares desconfiados. E uma onda avassaladora de compras on-line.

Este foi o cenário inesperado em que o mundo mergulhou em boa parte de 2020, o ano da pandemia.

Como em qualquer situação de privação, os brasileiros se adaptaram e desenvolveram novas habilidades e costumes. E descobriram que parte do deslocamento do cotidiano poderia ser substituída rapidamente por outras alternativas. Especialistas acreditam que algumas das novas rotinas têm tudo para se tornarem permanentes. No topo da lista está o uso mais intensivo de serviços digitais.

— Tivemos um aumento absurdo de produtos digitais de maneira geral. Não foi só o e-commerce. Serviços de streaming, cursos e reuniões on-line. Esse tipo de consumo de produtos e serviços digitais veio para ficar. É uma mudança de fato — diz Helena Veronese, economista-chefe da gestora Azimut Brasil Wealth Management.

O home office também é apontado como tendência a ser mantida pelas empresas, especialmente num modelo híbrido: com funcionários trabalhando parte do tempo em casa e parte no escritório.

— As empresas estão anunciando políticas mais flexíveis. Você vai economizar tempo no trânsito, as empresas terão custos reduzidos. E com isso haverá um aumento no consumo de produtos voltados para o trabalho em casa — pondera Helena Veronese.

Maior poder do consumidor
O pagamento do auxílio emergencial pelo governo garantiu não só renda para a parte mais vulnerável da população. Ele também trouxe o banco digital para um universo de pessoas que sequer tinham conta bancária.

— As pessoas estão perdendo o medo de usar o digital. A classe popular sempre teve medo de banco. Mas, com esses novos movimentos, as soluções são mais descomplicadas — destaca a professora Roberta Campos, especialista em comportamento do consumidor do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ).

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar), professor Claudio Felisoni de Angelo, a pandemia gerou um impacto dramático sobre todas as atividades produtivas e comerciais, o que garantiu uma crise sem precedentes na história econômica.

Mas o resultado de todo esse desarranjo seguirá dentro dos moldes da teoria defendida pelo economista austríaco Joseph Shumpeter no início da década de 1940: o mundo viverá uma destruição criativa.

— As economias e as sociedades evoluem, passam por períodos de relativa estabilidade e, repentinamente, são impactadas por mudanças dramáticas. Quando você sofre esses impactos, você destrói padrões anteriores e constrói novos — defende Felisoni.

As empresas, pondera o professor, vinham criando opções aos negócios físicos. Algumas organizações, por razões distintas, vinham se preparando melhor, porque enxergaram que as condições adiante seriam mudadas, não pela pandemia, mas pela dinâmica do mercado.

— Veio a pandemia, e essa tendência se acentuou — diz Felisoni.

Em sua opinião, o poder do consumidor aumentou, e as empresas serão forçadas a entregar produtos e serviços que gerem benefícios efetivos.

— Como compradores, somos seres utilitários. As pessoas não são fiéis a instituições. Fidelidade se dá a indivíduos. E essa questão de fidelidade se dá enquanto o benefício for significativo em relação aos custos. Você compra na loja não porque acha simpático o dono ou o vendedor — argumenta.

No campo da mobilidade, especialistas apostam no avanço do uso de bicicletas como meio de transporte para pequenos deslocamentos.

— Uma das maiores lições da pandemia foi a necessidade de fugirmos de aglomerações. A bicicleta é uma grande aliada desse processo — pondera André Ribeiro, vice-presidente da Aliança Bike, associação criada em 2003 que busca promover o uso de bicicletas como transporte, esporte e lazer. — Ao incluir o uso da bicicleta no cotidiano, a pessoa acaba criando um hábito.

A crise da Covid-19 também traz lições no campo da macroeconomia. Para o economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani, a pandemia deixou legados negativos e positivos. No primeiro bloco estão a enorme dívida do governo e o desemprego; do outro lado, a inflação — em patamar mais baixo — e um potencial novo ciclo de crescimento global.

Padovani também destaca outro fator que se concretizou: a nova realidade dos juros baixos no país.

— Estamos tendo uma revolução nos juros, e isso estimula investimentos. Com a taxa atual, você viabiliza vários projetos — afirma o economista.

Fonte: O Globo