Há 20 anos no mesmo ponto, a Quitanda e Mercearia Momiji, localizada na Vila Alpina (Zona Leste de São Paulo) e especializada em produtos alimentícios da culinária oriental, já passou ilesa por crises anteriores.

Mas, mesmo autorizada a funcionar na quarentena por vender itens essenciais, a proprietária Lúcia Higa percebeu, com a queda drástica de fluxo, que esta seria diferente. Logo, tomou a decisão: adotar o delivery.

“Essa crise afetou todo mundo ao mesmo tempo”, diz. “Como as pessoas tinham receio de sair de casa, e os clientes já conheciam nossos produtos, essa opção nos favoreceu bastante.”

Com os pedidos via whatsapp, e as entregas feitas pelo marido e o cunhado, conseguiu ampliar as vendas da quitanda em, no mínimo, 10% ante igual período de 2019 desde o início da pandemia.

Capacidade de fornecimento, preços razoáveis, serviços agregados, conveniência… E o principal: manter a relação de proximidade com os clientes. Estratégias como as adotadas pela comerciante têm ajudado o pequeno varejo de alimentos a sobreviver neste cenário adverso causado pela pandemia.

Uma sondagem realizada pelo Sincovaga (Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo), na primeira semana de agosto com 200 pequenos negócios, dá uma ideia disso.

Entre os entrevistados, 55% utilizaram novas ferramentas de venda, ou intensificaram o uso de algumas delas. Prevaleceram no período de redução do fluxo de pessoas as vendas por aplicativos, delivery e atendimento por telefone. Dos que experimentaram, o delivery será mantido por 85% do total no pós-pandemia.

“Adequar os negócios, inclusive virtualmente, usando o fator humano para ficar ‘linkado’ com a vizinhança são mecanismos que ajudaram esses estabelecimentos a vender”, diz Álvaro Furtado, presidente do Sincovaga.

Um levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostra que, das 135 mil lojas que fecharam no segundo trimestre de 2020, o comércio varejista de alimentos (inclui hiper, super e minimercados) perdeu 4,9% dos pontos de venda no período. O número, porém, é inferior à perda média total do varejo (-9,9%).

“A crise é um processo de seleção natural: quem se adapta melhor sobrevive, e tira vantagem se souber ampliar sua comunicação com o consumidor”, diz Fábio Bentes, economista da CNC.

O CUSTO DA DIFERENCIAÇÃO

O levantamento do Sincovaga aponta que 70% dos empresários perceberam aumento de preços por parte dos fornecedores, e repassaram ao consumidor. Outros 50% indicaram rupturas e falta de produtos nas gôndolas, motivadas pela busca acima do normal de itens de higiene e limpeza e alimentos básicos.

Como a situação econômica não vinha bem desde antes da covid, segundo Lúcia, a parceria com fornecedores foi essencial para manter não só as finanças em dia, mas para garantir a reposição e a qualidade dos produtos.

Muitos passaram a fracionar as quantidades. Outros, a faturar as formas de pagamento. “Com isso, conseguimos continuar atendendo ao máximo às necessidades dos clientes da melhor forma”, conta.

Outro dado da sondagem do Sincovaga aponta que 74% desses pequenos comerciantes conseguiram ajustar-se ao fluxo de vendas e mantiveram seu quadro de funcionários estável no período.

O exemplo do Momiji não é regra geral do pequeno varejo como um todo, lembra Cláudio Felisoni de Angelo, economista e presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar).

Mas explorar nichos de mercado, com características peculiares – como é o caso da quitanda, que aposta na venda de mercadorias frescas e na variedade de produtos orientais – também ajuda a manter a clientela fiel.

“Apesar de terem menos condições de lidar com os impactos da crise, quando esses pequenos negócios conseguem se diferenciar costumam alcançar desempenho até melhor do que antes”, afirma Felisoni. 

O professor alerta, porém, que se o pequeno opta pela diferenciação em tempos de crise, precisa avaliar quais os custos envolvidos nesses novos atributos. “Ou pode não dar certo e ele ir para o buraco mais rápido.”

Fábio Bentes, da CNC, lembra que o pequeno varejo não é acostumado à se adaptar. Vive acostumado com a clientela do bairro e, quando se depara com a chegada de uma grande varejista e sua estratégia agressiva – ou com uma crise, como agora -, não sobrevive. “E nesses momentos, a palavra-chave é adaptação.”

À ESPERA DOS ACONTECIMENTOS 

Com a quarentena, o varejo de alimentos registrou, até maio, faturamento médio bruto mensal de R$ 22,18 bilhões no estado de São Paulo. Mas, mesmo com toda a movimentação de clientes, a perspectiva de crescimento para 2020 é de 0,5% sobre 2019, de acordo com Álvaro Furtado, do Sincovaga.

A partir de junho, esse comportamento começou a desacelerar, com o cancelamento das festas juninas, a reabertura gradual do comércio de rua, bares, restaurantes e shoppings e a alta do nível de desemprego.

Esses fatores levaram o varejo alimentar a registrar a primeira queda desde fevereiro no acumulado de 2020, caindo de 7,4%, em maio, para 5,7% em junho, segundo a Associação Paulista de Supermercados (APAS).

Enquanto empresas como a Momiji podem ser exemplos de reinvenção e adaptação rápida num cenário adverso, para uma parte significativa do pequeno varejo de alimentos a situação é outra.

Cerca de 20% desses negócios ou fecharam desde o início da pandemia ou não vão aguentar sobreviver por muito tempo, afirma o presidente do Sincovaga, que representa 40 mil estabelecimentos como mercadinhos, sacolões e açougues, lojas de conveniência, autosserviço, empórios, quitandas e laticínios, entre outros.

“Do ponto de vista econômico, é natural que a maior parte da mortandade desde o início da pandemia é de pequenos negócios: eles têm menos crédito e menos caixa para enfrentar a crise”, diz Fábio Bentes, da CNC.

Se o grande movimento nas lojas pode passar a impressão de que o varejo de alimentos, como supermercados, não enfrenta dificuldades, segundo o Sincovaga, é no chão de loja que a realidade aparece.

De acordo com a sondagem, os novos hábitos do consumidor, como menor tempo de permanência na loja (64%), estocagem de itens de higiene e limpeza (49%), alimentos (39%) e a prioridade a itens básicos (37%) causam perdas na margem de lucro. E, em consequência, queda no tíquete médio.

Para Furtado, as expectativas para o setor são incertas, e o cenário, não tão otimista. Com o consumidor priorizando marcas básicas, as margens ficam mais apertadas diante dos custos operacionais altos.

“Só o nosso setor perdeu quase 15 mil empregos, de acordo com o Caged. Provavelmente, após encerradas as medidas emergenciais, o desemprego irá perdurar, e a recuperação das vendas será lenta”, acredita.

Fonte: Diário do Comércio