Desempenho do setor vai depender da capacidade de resposta no controle do vírus no Brasil.

SÃO PAULO – Em meio ao cenário de incertezas causados pelo avanço do coronavírus no país e das medidas restritivas para conter a pandemia, o setor varejista vive duas realidades distintas.

Por um lado, o varejo de bens não duráveis se vê estimulado por uma alteração do padrão de comportamento dos consumidores, que, com a quarentena e a adoção do sistema de home office aumentaram as idas a supermercados e farmácias, além do volume comprado. Na segunda-feira, a Associação Paulista de Supermercados (Apas) registou aumento de 18% no movimento em relação ao dia 17 de fevereiro.

A outra ponta sente consideravelmente os impactos do adiamento das compras de bens duráveis e semiduráveis ou pela ausência de circulação das pessoas, que diminui as aquisições feitas por impulso, sobretudo em horários de almoço e fim do expediente.

Para amenizar os prejuízos, associações de lojistas e shoppings centers se organizam para cobrar isenções e flexibilizações nas cobranças de aluguel, condomínio, percentual de vendas e impostos sobre comércio e serviços.

Mesmo antes das restrições de horário e do fechamento de unidades na Grande SP, o movimento das lojas de shopping já caiu 30%, segundo a Associação Brasileira dos Lojistas Satélites (Ablos), entidade que representa marcas como TNG, M. Officer, Melissa e Leão de Ouro.

Serviços já suspensos em alguns estados, como os cinemas, tentam se adequar as quarentenas impostas pelo cenário. A rede Cinemark, nesta segunda-feira (16), ofereceu aos seus funcionários um Plano de Demissão Voluntária (PDV) ou Programa de Qualificação Remunerado durante o período de fechamento.

A iniciativa ocorre em paralelo ao pedido da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec) aos governantes de determinar o fechamento das salas de cinema, por meio de decreto, pela dificuldade de negociar a suspensão das unidades que operam dentro de shoppings num curto prazo.

A expectativa para 2020 era que o varejo no Brasil registrasse o maior avanço anual no volume de vendas desde 2013.

A Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo (CNC) estimou um crescimento de 5,3% das vendas no varejo ampliado. No varejo restrito, que exclui os segmentos automotivo e de materiais construção, a alta era de 3,5%. Os números tinham como base os sinais de aquecimento do consumo das famílias, a expectativa de melhora da atividade econômica e fatores como a permanência da inflação baixa e taxa básica de juros no piso histórico.

Diante das restrições e especificidades do setor, analistas, pesquisadores e entidades avaliam ser cedo para mensurar com precisão as perdas, tendo em vista que ainda não se sabe o grau de proliferação da Covid-19 no país, mas acreditam unanimemente que as projeções para o varejo este ano não serão alcançadas.

Futuro incerto

Segundo Claudio Felisoni, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (IBEVAR) o momento é de incertezas, mas ainda com chances de crescimento.

No cenário mais otimista, o economista avalia uma perda de 0,5 ponto percentuais no crescimento do PIB estimado, com uma retomada no das vendas do varejo e comércio a partir do segundo semestre, se as condições de multiplicação dos novos casos de coronavírus forem controlados até maio.

Caso o Brasil presencie a mesma intensidade da doença como vista na Itália e Espanha, Felisoni crê numa recuperação mais lenta, porém ainda com reflexos positivos para o varejo e o PIB. Por fim, se medidas não forem adotadas corretamente para conter os avanços da doença, o cenário será de recessão técnica com resultados negativos para o setor.

No entanto, Felisoni pontua que, além do coronavírus, existem outros vetores de preocupação – como as tensões políticas internas -, hoje amortecidas pela violência da pandemia, que podem intensificar ainda mais a crise no Brasil.

“Lamentavelmente, decisões que já devíamos ter tomado ou encaminhado de uma forma mais efetiva, como as reformas administrativa e tributária, não foram deliberadas e o coronavírus, que é absolutamente fora de controle, vem se somar a essas situações”, explica.

Olhar segmentado

O comportamento do consumidor será fundamental para a recuperação ou não dos mais diversos setores dentro do varejo. Durante a pandemia de coronavírus, a unidade americana da consultoria Nielsen identificou seis padrões de comportamento que se repetem em diversos países – mesmo com as diferenças culturais.

Dos primeiros registros de casos confirmados até o fim da quarentena, a consultoria mapeou uma maior procura em itens relacionados a saúde, bem estar, higiene e limpeza, alimentos não perecíveis e aumento nas compras online e serviços de entrega.

Alexandre Machado, especialista em varejo e sócio diretor do Grupo GS& Gouvêa de Souza, vê nos setores de vestuário e material de construção, que vinham numa curva de recuperação no último ano, como um dos mais impactados pelo coronavírus. “Ambos os setores sofrem influência da sazonalidade e em momentos de crise o consumo nessas áreas é postergado”, ressalta.

No cenário de instabilidade, Maurício Morgado, pesquisador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas, afirma que o ramo farmacêutico e o de supermercados são impulsionados pelo aumento das vendas momentâneas diante as restrições, o que pode diminuir os efeitos do coronavírus nas áreas.

Para Morgado, os players no setor estão amadurecidos para trabalhar mesmo com forte demanda – evitando o desabastecimento de produtos importantes. “Vai depender agora da forma como os organismos responsáveis vão lidar com a crise e até quando ela vai se estender. Se a pandemia se alastrar, a cadeia de abastecimento poderá ser comprometida”, analisa.

Olhando para o futuro, ambos os especialistas se mantém receosos em relação ao avanço da pandemia localmente, mas garantem ser cedo para pensar em cenários catastróficos em todo o setor.

A FecomercioSP também acredita que a tendência é que não haja um desabastecimento, porque, diferentemente de outras crises recentes (como a greve dos caminhoneiros), a produção agrícola se encontra em bom nível e os transportes estão funcionando, até o momento, normalmente.

A entidade, porém, aponta para dificuldades de alguns setores em manter a produção por falta de matéria-prima, geralmente importada da China, que pode causar consequências no setor automobilístico.

Outros impactos

A escassez de insumos, para analistas da XP Investimentos, é um dos impactos que acarretará numa retração do setor no curto prazo. As paralisações na China já interromperam diversas cadeias produtivas no Brasil, principalmente as de eletrônicos, por falta de componentes.

A fábrica da Flextronics em Jaguariúna (SP), responsável pela Motorola, deu férias coletivas a cerca de 1,1 mil trabalhadores do setor de celulares entre os dias 9 e 28 de março. A empresa já havia deixado outros 2,1 mil funcionários em casa por 22 dias. LG e Samsung também anunciaram paralisações parciais.

“Apesar da visibilidade limitada nesse momento, não acreditamos que o setor esteja imune a uma eventual queda no fluxo nas lojas ou de uma ruptura no fornecimento de matéria prima ou aumento do custo dos insumos (via valorização do dólar e/ou aumento do preço das commodities, como o ouro)”.

Mesmo sofrendo, os analistas preveem que o estoque de produtos acabados deve atender à demanda existente pelos próximos meses.

Fonte: www.infomoney.com.br