Com a chegada do novo meio de pagamento digital, os bancos se armam para disputar com fintechs novos clientes e as carteiras bilionárias de grandes varejistas

Uma espécie de revolução nos hábitos financeiros dos brasileiros terá início na próxima segunda-feira, 16 de novembro, com a entrada em vigor do novo sistema de pagamentos do Banco Central, batizado de Pix (uma palavra que remete à tecnologia e ao menor ponto de uma imagem, o pixel). Num restaurante, será possível pagar o almoço ou jantar sacando apenas o celular. As Teds e os Docs, instrumentos bancários que permitem a transferência de dinheiro, tendem a desaparecer, assim como o tradicional boleto. A nova tecnologia permitirá ainda fazer pagamentos e até mesmo saques nos caixas dos supermercados ou de padarias, embora a expectativa seja de uma redução no uso das cédulas quando o Pix cair no gosto das pessoas. Tudo isso, sete dias por semana, 24 horas por dia. O desafio neste momento inicial é popularizá-lo e, por isso, bancos, fintechs (as startups do ramo financeiro) e empresas de todos os setores e portes se mobilizam nesse sentido.

Há algumas semanas, o banco Santander e a rede de fast-food McDonald’s publicaram nos principais jornais do país o anúncio de uma parceria em torno do Pix. Nas lojas próprias da rede, toda vez que um cliente comprar um Big Mac e decidir pagar com o Pix, o dinheiro cairá numa conta do Santander, que processará a operação. A GetNet, empresa de maquininhas do banco, também poderá oferecer ao cliente o QR Code (um código de barras evoluído, que pode ser lido pelas câmeras dos celulares), sempre que ele desejar essa opção de pagamento, permitida pelo Pix. “Essas parcerias vão ajudar a popularizar a nova tecnologia e fidelizar o cliente. Portanto, quanto mais gente plugada no sistema, melhor. Esses acordos vão se repetir entre grandes companhias, mas também entre pequenas empresas, fintechs, sempre que elas enxergarem uma oportunidade de negócios”, afirmou Diego Perez, diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), responsável pelo acompanhamento do Pix na entidade.

Na Índia, onde um sistema similar ao Pix foi implementado em 2010, foram necessários três anos para que 25% dos habitantes aderissem. No Brasil, onde a população é mais bancarizada, a expectativa é que a adesão seja maior. Um dos principais atrativos para os brasileiros é o fato de as operações de transferência (como Teds e Docs) passarem a ser gratuitas com o Pix. “As taxas que são pagas ao setor financeiro serão reduzidas por conta da maior competitividade entre os bancos e as fintechs. No longo prazo, o volume de transações pelo Pix vai aumentar e as taxas que o varejo paga ao setor financeiro tendem a diminuir. Há uma tendência, no longo prazo, de o preço final ser reduzido”, observou Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar) e professor da Fundação Instituto de Administração (FIA).

A corrida pelos clientes que poderão, como o McDonald’s, aderir ao Pix já começou entre os bancos. As empresas que já usavam a tecnologia do QR Code e já tinham parcerias com varejistas, redes de fast-food, farmácias saem em vantagem nesse novo mundo. Um exemplo é o Mercado Pago, uma plataforma que faz a intermediação dos pagamentos entre as maquininhas, as bandeiras de cartão de crédito e os bancos. Há pelo menos dois anos, a empresa começou a usar a tecnologia do QR Code e criar esse hábito na hora do pagamento. Para efetuar uma compra por esse caminho, tanto a varejista quanto o cliente têm de estar conectados à plataforma. Com o Pix, clientes das mais de 760 instituições, entre bancos e fintechs, poderão agora usar o QR Code. “O varejista ganha porque reduz a tarifa que paga num débito. Para o comprador, há a conveniência do pagamento rápido”, disse Rodrigo Furiato, diretor de carteira digital do Mercado Pago. Uma vantagem de quem já usa o QR Code com o aplicativo do Mercado Pago é o desconto oferecido na compra, que é possível graças à redução da margem de ganho das duas partes.

Nesse mesmo caminho de buscar novas possibilidades de negócios, a TIM assinou em março um acordo com o C6 Bank, fintech fundada por ex-sócios do BTG Pactual. A parceria prevê um ganho para além da operação do Pix. De um lado, a TIM estimula o crescimento de contas no C6 a partir de ofertas vantajosas destinadas a sua base de clientes. De outro, incentiva a adesão ao Pix por seus consumidores a partir da conta digital da C6. “Dobramos a quantidade de internet do cliente se ele abrir a conta no C6 e pagar uma fatura através do banco, além de ofertar cartão de crédito e outros serviços bancários sem custo. O banco aumenta sua base de usuários, paga uma quantia por cliente e fornece uma participação à medida que batemos metas de abertura de contas”, explicou Renato Ciuchini, VP/Head de Estratégia e Transformação da TIM Brasil.

Desde o lançamento, em julho, mais de 800 mil clientes da TIM já aderiram à parceria com a C6. A expectativa agora é a expansão de novos negócios a partir do Pix. Para isso, a empresa planeja criar uma solução de carteira digital em parceria com a C6 por meio do novo sistema de transações. O resultado almejado é a redução da emissão de boletos, fichas de arrecadação e comissões de recarga. Só no Brasil as operadoras gastam R$ 1 bilhão por ano com isso.

Uma das principais barreiras iniciais para a nova tecnologia de pagamentos instantâneos pegar entre os brasileiros é cultural, apontam os especialistas no setor financeiro. Acostumado a usar o cartão de débito, de crédito ou pagar os boletos na boca do caixa do banco, o usuário comum ainda não entende o universo de possibilidades trazidas pelo Pix. Além disso, toda novidade tecnológica, mesmo que tenha por trás a credibilidade do Banco Central, embute um componente de medo. Uma pesquisa da Intuit QuickBooks, uma fintech americana de softwares, feita em outubro com 1.190 empresários do país, revelou que 76% deles sabem o que é o Pix, mas três em cada dez demonstram preocupação com algum tipo de vazamento de informação. Outros 15% identificam outra barreira antes de apostar no sucesso da ferramenta: não são adeptos do uso de novas tecnologias. E 23% temem não saber quem responsabilizar em caso de problemas. “Se há algum tipo de problema numa transação que envolve um banco ou uma fintech e seus parceiros, o consumidor pode reclamar de ambos”, afirmou o advogado Vicente Piccoli Medeiros, da área financeira do escritório Machado Meyer.

O fato é que o Pix é o primeiro passo de um avanço tecnológico nas transações financeiras, que num futuro não tão distante vai permitir que o país se aproxime de países como a China, onde o smartphone substituiu a carteira. A próxima etapa no Brasil será a chegada do Open Banking, que permitirá o compartilhamento de dados das instituições financeiras e dos dados cadastrais dos clientes, mediante autorização. Com essa base de dados, bancos e fintechs poderão ofertar produtos financeiros e crédito alinhados a cada perfil de cliente. Hoje, por exemplo, 90% das operações de crédito são feitas pelos cinco principais bancos. Esse novo cenário vai possibilitar que bancos pequenos e fintechs entrem nesse jogo. Da competição entre grandes e pequenos, a tendência é que o consumidor saia ganhando. Para Thaís Cárnio, professora de Direito das Relações Econômicas Internacionais e mercado financeiro da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diante das transformações que se avizinham, só restará aos bancos se reinventarem para sobreviver. “Isso aconteceu depois que o Plano Real derrubou a inflação, na década de 90. Agora, vão passar por uma nova onda de mudanças e terão de pensar em como agradar e fidelizar seus antigos e novos clientes”.

Fonte: Época